ALIMENTOS TRANSGÊNICOS: VOCÊ TEM O DIREITO DE SABER, MAS ATÉ QUANDO?

13/07/2018

"O avanço tecnológico torna as pessoas ainda mais vulneráveis"[1], afirma meu enfático orientador Marcos Catalan. Compete ao Direito, e especialmente ao Direito do Consumidor, tutelar as relações com o escopo de minimizar tal vulnerabilidade e, portanto, o desequilíbrio entre as partes.

Contudo, (ao que nos parece) na contramão dos intentos protetivos do direito consumerista, avança no Senado Federal o projeto de Lei nº 34/2015 que pretende modificar a Lei de Biosegurança (Lei nº 11. 105/2005), abolindo a utilização do símbolo indicativo de transgenia e fixando a obrigatoriedade de rotulagem apenas para os alimentos que contenham mais de 1% de componentes geneticamente modificados. Exclui, ainda, o referido projeto, a obrigatoriedade de rotulagem dos alimentos destinados ao consumo animal. Da análise das alterações propostas, vislumbra-se, então, que o projeto de lei não se coaduna com o direito à informação, que informa o direito fundamental de defesa do consumidor.

Vale lembrar que, atualmente, todos os alimentos, destinados ao consumo humano ou animal, devem conter em seu rótulo informação sobre a presença de componentes transgênicos, não importando a quantidade. Mais do que isso, devem apresentar o símbolo "T", dentro de um triângulo, indicativo de transgênica, o que torna mais acessível a informação ao consumidor.

Importante notar que regras e princípios que regem as relações consumeristas, protegendo o consumidor, tem sustentáculo, justamente, em sua reconhecida vulnerabilidade. A produção em larga escala e o acúmulo de mercadorias acarreta a necessidade de aumento das vendas na mesma proporção. Neste contexto, emerge, então, a necessidade de estimular uma subjetividade voltada ao consumo desmedido para manutenção e expansão do capitalismo. Com o intuito de impulsionar o consumo para manter o mercado capitalista em movimento falsas necessidades são criadas e estratégias de homogeneização dos gostos são desenvolvidas[2]. A massificação da produção tem como consequência, também, certas vezes, o decréscimo da qualidade dos produtos, pouca durabilidade que, não por acaso, também faz girar o mercado de consumo.

A transformação das relações sociais-mercadológicas ensejam ainda o distanciamento das relações entre o fabricante e o comprador, agora fornecedor e consumidor, o que vai também impactar as relações polarizadas.[3]

Como negar o incremento da vulnerabilidade do consumidor?

Buscando minimizá-la, interfere o Direito por meio de regras protetivas, "atendendo-se a um imperativo democrático de promoção da igualdade entre os cidadãos".[4] Daí a proteção constitucional dos consumidores, instrumentalizada pelo Código de Defesa do Consumidor, "regulador de direito fundamental"[5] que traz em seu bojo uma série de direitos básicos que buscam equacionar o inerente desequilíbrio em tais relações jurídico-negociais.

Entre tais direitos, especial relevo para o tema em comento tem o direito à informação, que gera para o fornecedor o dever de informar. Note-se, então, que, no direito consumerista, o direito à informação visa a minimizar a vulnerabilidade do consumidor, mais especificamente a vulnerabilidade informacional, uma vez que o consumidor não detém, por exemplo, conhecimentos sobre as técnicas de produção e distribuição de bens e serviços.

No que tange aos alimentos que possuam composição transgênica, imprescindível a garantia da ampla informação ao consumidor. Considerando que os riscos do uso de organismos geneticamente modificados para a saúde humana e equilíbrio ambiental são ainda desconhecidos, não se pode negar a possibilidade de escolha àquelas que detêm tal preocupação. E neste ponto, pode-se afirmar que uma das ferramentas de informação de que dispõe o consumidor é o rótulo. O rótulo permite ao consumidor conhecer o produto, sua origem e composição, e decidir pela aquisição ou não. Por isso apontamos acima que o exame da proposta que avança no Senado à luz dos direitos que instrumentalizam o direito fundamental de defesa do consumidor, permite suspeitar de sua incompatibilidade com as normas protetivas do consumidor, por limitar o direito à informação e representar, assim, retrocesso.

Importante ponderar que a discussão sobre a segurança dos alimentos transgênicos está longe do consenso. Muito se discute sobre as vantagens e os possíveis riscos que podem advir da utilização de organismos geneticamente modificados. É inegável que o desenvolvimento da tecnologia, incluindo a engenharia genética, proporciona transformações em diversos níveis, estimulando não apenas o mercado econômico, mas grandes avanços na área da saúde e meio ambiente. Por outro lado, manifestações contrárias ao uso de transgênicos também são frequentes, enfatizando os riscos da manipulação genética, a falta de estudos sobre os impactos ambientais e o desconhecimento sobre as consequências do consumo de alimentos transgênicos.[6]

Contudo, não cabe aqui a defesa ou a demonização dos transgênicos, mas sim o reconhecimento do direito à informação do consumidor, a fim de que lhe seja permitido escolher entre consumir ou não determinado alimento. Para assegurar este direito, necessária a rotulagem adequada, permitindo ao consumidor "optar conscientemente pelo produto que vai adquirir e pelo risco que admite correr."[7]

Note o leitor, portanto, que a informação, no caso em tela, representa concretização de um direito fundamental. Assim, a análise do projeto de Lei nº 34/2015 sob a ótica principiológica constitucional, evidencia que a limitação da rotulagem de alimentos com traços transgênicos, caso aprovada, constituirá violação do direito à informação e, consequentemente, do direito fundamental de defesa do consumidor.

No limite, poder-se-ia dizer que o projeto de lei em comento afronta o princípio da proibição do retrocesso.[8] Isto porque a defesa do consumidor é um direito fundamental e o direito à informação consubstancia sua concretização. Logo, ao pretender limitar a informação, já garantida, destinada ao consumidor, passando a negar direito seu, estará o legislador a impor retrocesso.[9] Isto posto, entende-se que o Projeto de Lei nº 34/2015, ao alterar a disciplina da rotulagem de alimentos transgênicos, mostra-se incompatível com a proteção constitucional conferida ao consumidor.

Notas e referências

[1] CATALAN, Marcos. Apontamentos acerca da relevância do direito de danos no balizamento da produção e da comercialização de organismos geneticamente modificados e produtos transgênicos no Brasil. Arquivo Jurídico, Terezina, v. 2, n. 1, p. 191-202, jan. / jun. 2015.

[2] ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2015. p. 16-27.

[3] LEITÃO, Manuela Prado. Rotulagem ecológica e o direito do consumidor à informação. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p. 50.

[4] SCHMITT, Cristiano Heineck. Consumidores hipervulneráveis: a proteção do idoso no mercado de consumo. São Paulo: Atlas, 2014. p. 202.

[5] SCHMITT, op. cit., p. 69.

[6] VIEIRA, Adriana Carvalho Pinto; VIEIRA JUNIOR, Pedro Abel. Direitos dos consumidores e produtos transgênicos. Curitiba: Juruá, 2005. p. 19.

[7] SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Manual de biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p. 223-224.

[8] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro. Disponível em: https://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15197-15198-1-PB.pdf. Acesso em: 22 jun. 2018. p. 12-13.

[9] OLIVEIRA, Gustavo Paschoal Teixeira; NEVES, Sinvaldo Conceição. A inconstitucionalidade do Projeto de Lei N. 4.148/2008 diante do direito de informação. Revista Brasileira de Direitos e Garantias Fundamentais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 80-97, jan. / jun. 2016. p. 97.


Isabel Fauth é Mestranda em Direito pela Universidade LaSalle de Canoas. Especialista em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre. Delegada de Polícia do Estado de Santa Catarina. 

2019 Associação dos novos artistas | Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Webnode
Crie seu site grátis! Este site foi criado com Webnode. Crie um grátis para você também! Comece agora