CANTEM, FILMEM, NÃO, NÃO FILMEM: UMA LIGEIRÍSSIMA NOTA ACERCA DA INDÚSTRIA CULTURAL, DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE NO BRASIL E DE MAIS UMA PATACADA EM BRASÍLIA
Esta semana circulou através da mídia brasileira o conteúdo de um e-mail enviado pelo Ministro da Educação às escolas do Brasil impondo - segundo alguns, aconselhando - a leitura de uma carta que entre outros pontos fazia alusão ao slogan de campanha do atual governo e a execução do Hino Nacional, a ser cantado por estudantes que deveriam ser perfilados para serem filmados. E tais vídeos deveriam ser enviados à pasta ou à secretaria de comunicação do Planalto.
Quantas violações ao Direito cabem em um fato tão singelo?
No que toca a meu campo de estudo e investigação científica - o direito privado - posso identificar clara violação aos direitos da personalidade garantidos tanto no Código Civil brasileiro como no Estatuto da Criança e do Adolescente e, especialmente, na Constituição Federal, direitos, aliás, marcados por inegável fundamentalidade.
A imagem, intimidade e privacidade são direitos tutelados no Brasil. São direitos, expressamente, protegidos em nosso país há algum tempo. Permita-me o leitor destacar aqui a clareza do comando constitucional previsto no artigo 5, inciso X: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Creio que a regra não deixa dúvida alguma no que toca a sua mais adequada leitura: quase sempre indissociáveis, imagem, vida privada e intimidade têm proteção jurídica e, também por isso, a imagem de alguém não pode ser capturada, invadida, senão em situações bastante pontuais descritas na codificação civil de 2002.
No mais, a situação difundida pela mídia brasileira tampouco toca quaisquer das exceções textuais previstas na lei e dentre as quais estão: (a) a necessidade de administração da justiça, (b) a manutenção da ordem pública e (c) a permissão prévia daquele que tem a imagem capturada. O ponto aqui, descartados os dois primeiros contextos descritos anteriormente, é que não há como obter a permissão dos infantes para este fim.
Explico: a declaração de vontade dos pequeninos, normalmente, deve ser substituída - às vezes, somada - pela manifestação de seus representantes legais, normalmente, os pais, mas isso deve ocorrer apenas nas ocasiões em que se presuma o seu interesse. O que quero dizer com isso é que não só a ausência de manifestação dos representantes legais vicia o ato e torna as gravações ilegais, como mesmo que permissões possam ser eventual e pontualmente obtidas, no caso, não existe interesse da criança ou do adolescente que possa ser considerado merecedor de promoção, afinal, além do explicitado interesse governamental, que motivo merecedor de proteção jurídica estaria contido na divulgação da imagem e (ou) da voz de crianças e adolescentes, talvez, vestidos em verde e amarelo, a cantar o hino nacional?
É preciso identificar que o que parece ter informado a ordem ministerial foi a necessidade, o desejo ou a pretensão de espetacularização de questionáveis ações governamentais buscando promover o resgate patriótico e que isso seria feito por meio de campanhas publicitárias - sim publicidade, não propaganda - a serem moldadas com recurso a algumas das muitas ferramentas de convencimento e sedução elaboradas ao longo das últimas décadas pela Indústria Cultural tendo como personagens principais crianças e adolescentes em formação marcial alegremente a cantarolar alguns dos mais nobres sons da amada pátria.
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Esta semana circulou através da mídia brasileira o conteúdo de um e-mail enviado pelo Ministro da Educação às escolas do Brasil impondo - segundo alguns, aconselhando - a leitura de uma carta que entre outros pontos fazia alusão ao slogan de campanha do atual governo e a execução do Hino Nacional, a ser cantado por estudantes que deveriam ser perfilados para serem filmados. E tais vídeos deveriam ser enviados à pasta ou à secretaria de comunicação do Planalto.
Quantas violações ao Direito cabem em um fato tão singelo?
No que toca a meu campo de estudo e investigação científica - o direito privado - posso identificar clara violação aos direitos da personalidade garantidos tanto no Código Civil brasileiro como no Estatuto da Criança e do Adolescente e, especialmente, na Constituição Federal, direitos, aliás, marcados por inegável fundamentalidade.
A imagem, intimidade e privacidade são direitos tutelados no Brasil. São direitos, expressamente, protegidos em nosso país há algum tempo. Permita-me o leitor destacar aqui a clareza do comando constitucional previsto no artigo 5, inciso X: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Creio que a regra não deixa dúvida alguma no que toca a sua mais adequada leitura: quase sempre indissociáveis, imagem, vida privada e intimidade têm proteção jurídica e, também por isso, a imagem de alguém não pode ser capturada, invadida, senão em situações bastante pontuais descritas na codificação civil de 2002.
No mais, a situação difundida pela mídia brasileira tampouco toca quaisquer das exceções textuais previstas na lei e dentre as quais estão: (a) a necessidade de administração da justiça, (b) a manutenção da ordem pública e (c) a permissão prévia daquele que tem a imagem capturada. O ponto aqui, descartados os dois primeiros contextos descritos anteriormente, é que não há como obter a permissão dos infantes para este fim.
Explico: a declaração de vontade dos pequeninos, normalmente, deve ser substituída - às vezes, somada - pela manifestação de seus representantes legais, normalmente, os pais, mas isso deve ocorrer apenas nas ocasiões em que se presuma o seu interesse. O que quero dizer com isso é que não só a ausência de manifestação dos representantes legais vicia o ato e torna as gravações ilegais, como mesmo que permissões possam ser eventual e pontualmente obtidas, no caso, não existe interesse da criança ou do adolescente que possa ser considerado merecedor de promoção, afinal, além do explicitado interesse governamental, que motivo merecedor de proteção jurídica estaria contido na divulgação da imagem e (ou) da voz de crianças e adolescentes, talvez, vestidos em verde e amarelo, a cantar o hino nacional?
É preciso identificar que o que parece ter informado a ordem ministerial foi a necessidade, o desejo ou a pretensão de espetacularização de questionáveis ações governamentais buscando promover o resgate patriótico e que isso seria feito por meio de campanhas publicitárias - sim publicidade, não propaganda - a serem moldadas com recurso a algumas das muitas ferramentas de convencimento e sedução elaboradas ao longo das últimas décadas pela Indústria Cultural tendo como personagens principais crianças e adolescentes em formação marcial alegremente a cantarolar alguns dos mais nobres sons da amada pátria.
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Marcos Catalan é Pós Doutor pela Facultat de Dret de la Universitat de Barcelona. Doutor summa cum laude em Direito pela Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina. Professor no Mestrado em Direito e Sociedade da Unilasalle. Professor da Unisinos. Editor-Chefe da REDES - Revista Eletrônica Direito e Sociedade. Visitor Scholar no IUAV. Venezia. Professor visitante no Mestrado em Direito de Danos da Universidad de la Republica, Uruguai. Professor visitante no Mestrado em Direito dos Negócios, Universidad de Granada, Espanha. Advogado parecerista.